Questionando o princípio de catalogação, sistematização, documentação e interpretação como meios de conhecimento científico do mundo, Ricardo Angélico (Huambo, Angola, 1973) constrói o espaço da obra através da multiplicação de pequenos fragmentos narrativos desconexos, ou cuja conexão não é entendida abertamente. Entre as exposições realizadas destacam-se "Play" e "The Aronburg Mystery", Carlos Carvalho Arte Contemporânea, "O Desenho Dito", Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Almada, Portugal, "À volta do papel", Centro de Arte Manuel de Brito, Algés, Portugal, "100 artistas, Acervo. Artistas Portugueses en la Colección Navacerrada, Centro de Arte Alcobendas", Alcobendas, Espanha. Está representado em diversas colecções como a Culturgest, Lisboa, Portugal, Fundação PLMJ, Lisboa, Portugal, Centro de Arte Manuel de Brito, Algés, Portugal, Colecção Navacerrada, Alcobendas, Espanha, Ayuntamiento de Pamplona, Pamplona, Espanha.

Na mais recente exposição individual na galeria Carlos Carvalho, Ricardo Angélico segue o registo que tem vindo a desenvolver e que se concentra na elaboração de composições individuais com figuras imaginárias inseridas em contextos de ação muitas vezes ambíguos. Essas representações, aparentemente dissociadas do cenário global, desenham pequenas células narrativas, guiando o observador por uma rede intricada de conexões. O raciocínio subjacente não segue assim uma narrativa linear, mas sim uma abordagem combinatória, incorporando citações, distorções, dinamismo e contaminação de formas e ideias. Deste modo, a figuração no trabalho de Ricardo Angélico não nos situa apenas num espaço específico, mas também orienta e cruza eixos, absorvendo o olhar para uma infinidade de conexões mais ou menos subtis. Estes trabalhos podem ser interpretados como catálogos em constante evolução, apresentando múltiplas incidências gráficas, resultando em composições enigmáticas e desconstrutivas.
A composição de imagens ensaia assim uma reinterpretação consciente da ordem estabelecida das coisas, procurando descobrir novas relações entre narrativas e fazendo analogias entre elementos que podem parecer dissociados. Estas composições procuram transcender as classificações convencionais, promovendo uma análise das afinidades entre as figuras. É como se o artista se lançasse a fazer um trabalho incessante de recomposição do mundo, convertendo as imagens em recursos para analisar a realidade. Com esta forma de abordar a composição, o artista entende a obra como uma janela de observação dos modos de representação e de formação do conhecimento, chamando a atenção para o modo como apreendemos as coisas fora do pré-concebido.
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Como tantos outros artistas contemporâneos, Ricardo Angélico assume a máxima beckettiana de “continuar apesar de tudo”, consciente de que o humor surge através do desespero. Mais do que uma teatralidade do absurdo, o “fin de partie” da modernidade converte o niilismo na autêntica honra do pensamento. Contudo, não se trata de realizar uma “monumentalização dos detritos” ou de realizar ad nauseam baptismos de cinza, mas é possível, como se observa nas obras de Angélico, uma espécie de pintura (neo)patafísica. Segundo a patafísica, a língua não está em situação de produzir uma língua nova no seu seio sem que toda a linguagem seja levada a um limite: “o limite da linguagem é a Coisa no eu mutismo, a visão"(Gilles Deleuze, 1996).
Fernando Castro Flórez




