PT / EN

Tomando lugar depois do Inverno, a caiança das casas do Alentejo, era mais do que o renovar e o impermeabilizar da casa que preparava as canículas de Verão, comuns nesta região do país. Era uma tradição do Alentejo rural que reunia a comunidade e convocava a história, consolidando um ritual preservado pelo saber-fazer tradicional, transmitido oralmente, e que conservava a sabedoria e o conhecimento através de gerações.

 

A cal era vendida pelos caleiros porta a porta. Alprenca, palavra apregoada para vender a cal branca, testemunha a herança da oralidade e a importância do património linguístico. A fala é uma herança viva da comunidade dando mais sentido de pertença à terra, aos seus valores e hábitos. Este ritual cria um vínculo, uma ponte entre os ensinamentos tradicionais e a identidade cultural alentejana.

 

Recuperando a memória desta prática que vem dos seus tempos de infância, Manuel Caeiro parte da ideia de imensidão e de brilho da cal transpondo-a para a folha branca da pintura. Usa o branco - a cor primordial - como representativa do imenso campo de possibilidades que esta oferece. Além do branco infinito, o artista traz para o centro da pintura elementos secundários, prosaicos, considerados banais e sem protagonismo, revestidos de um carácter essencialmente prático. Esta opção vem no seguimento da sua série de trabalhos Downtown onde representa traves de madeira usadas na construção civil.

Este artista entende o espaço como uma extensão infinita em que a  forma e o desenho estruturais actuam como forças generativas e multiplicadoras. Noutras palavras, a representação do espaço efectua-se a partir de formas que desdobram ritmos e modulações espaciais através das repetições e sobreposições de camadas que evidenciam um carácter escultórico. Esta evidência no seu trabalho assinala uma obsessão pela ordenação do espaço e uma indagação sobre o espaço visível, mostrada através de jogos de sombras, profundidades e densidades de cor. A geometria rígida das linhas e pontos de fuga e também as interferências do discurso que são o resultado do trabalho de atelier, reforçam essa a ideia de movimento e de fluxo. Identifica-se na obra um tempo e um espaço do processo de fazer da pintura, fornecendo-lhe um enquadramento mais informalista e de extensão da liberdade criativa.

 

Este artista entende o desenho enquanto veículo de experiência, acção e conceptualização. Este meio de ligação mais imediato ao conceito, ao gesto e à mão é, no trabalho de Manuel Caeiro, um modo de pensar a arquitectura pela análise e revisão dos seus princípios formais tomando partido da bidimensionalidade da pintura. O artista potencia a densidade do suporte bidimensional no registo projectual enquanto gerador de ideias. Por isso redefine aquilo que é essencial na arquitectura - o vocabulário de formas - estádio da conceptualidade antes da execução. O pensamento criativo é assumido como uma linha de desenvolvimento estudado sob todas as formas, não apenas no isolamento de cada elemento no espaço. O artista foca-se também na noção de estrutura e de movimento no espaço por meio do equilíbrio e tensões de de formas.

 

A reforçar essa preferência pela amplitude criativa que a bidimensionalidade proporciona, o artista assume o desenho enquanto campo comum mais visível entre a pintura e arquitectura, entendendo-o como matriz essencial no seu trabalho. Aliás é essa propriedade de ressonância do desenho em relação a outros meios, que é associada à capacidade projectual e de produção de ideias: da escrita, à linguagem diagramática ou ao mapeamento. O desenho parte do registo mais básico para produzir sentido.

Na obra de Manuel Caeiro, o desenho é um referencial na análise das coordenadas do espaço perceptivo como a fluência entre os corpos, o peso, a estrutura ou a escala. Isto quer dizer que, para o artista, o desenho é um ponto de contacto com a experiência física do trabalho artístico que lhe permite receber informações resultantes da percepção que é fundamental para o desenvolvimento da prática. Deste modo, mais que do que resultado pictórico, o desenho pode ser experiência, acção permitindo que este flua e aja como uma ferramenta que converte o trabalho deste artista num campo de possibilidades. Oferecendo centralidade ao espaço de plasticidade e de invenção, Manuel Caeiro mostra como o desenho é ferramenta de ordenação, mapeamento e transfiguração do visível. Ao mesmo tempo que usa a proximidade e a experiência do artista, afasta-se do real porque é uma ferramenta de criação e produção de novos conceitos, acrescentando-os ao mundo.

Fique a par das nossas exposições, artistas e eventos.