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 O Novo Envelhecido

Na véspera da inauguração dois artistas conversam.

- O que é para ti uma exposição? – perguntou o mais velho.

- É o culminar de uma espera - respondeu o outro - É como uma caçada: exige tempo, firmeza e essa vontade insistente em capturar “seres brilhantes e selvagens” como são as obras de arte.

O outro artista sorriu.

José Batista Marques retoma as convenções de representação utilizando figuras retiradas da história da arte - paisagens, alegorias, pinturas de género, cenas de caça, figuras de convite, retratos de aparato - para reflectir sobre a condição humana, em alusão à insignificância da vida terrena e à transitoriedade. É disso exemplo o recurso à figura representativa Vanitas - a lembrança da efemeridade da vida perante a banalidade - intersectando um contexto do passado da pintura com a realidade actual. Imersos num vigor iconográfico que se condensa na figura, estas obras que se mostram envelhecidas, exploram questões que atentam em reivindicar singularidades que se prendem com o mundo em que vivemos. Enquanto na pintura das figuras isoladas sobressaem paisagens atmosféricas de horizontes longínquos, na escultura, acentua-se a verticalidade, a solidão, a transparência. No vídeo “O caçador”, a morte de um veado indigita sobre o fundamento da Tragédia neste mundo cada vez mais bravio que prima pela conquista de troféus sem validade.

Tanto no modo irracional como coloca corpos físicos apropriados da vida real - copos de vidro que interagem com objectos que são um pastiche de si mesmos: esparguete, garfo, prato - como pela utilização de fundos enegrecidos, quase fantasmagóricos, permitem-nos perceber o travo amargo da antecipação de uma tragédia.

O artista, ao questionar-se sobre as convenções da representação que articula com as figuras consagradas na história da pintura, recorre a também a estratégias de apresentação cenográfica. Deste modo, além de entender a representação, José Batista Marques aproxima-se da apresentação de enredos do teatro narrativo que desperta uma atitude crítica, provocando um efeito que permite um deslocamento da realidade. Logo o resultado é um recuo de análise a partir de um ponto de observação diferente e distanciado, acentuando o carácter social da acção. Esta questão é aferida no vídeo: o tempo é um tempo cenográfico que vai marcando o lento desfiar da acção. O sujeito é a tragédia: é pela arte trágica, que se manifesta a vida essencial do mundo, porque nela se revela o ser e a verdade, chave para a investigação da verdadeira natureza da realidade. 

 

Desta forma, imersos na condição contemporânea de transitoriedade, onde os indivíduos cada vez mais individualizados (Bauman) fazem parte de uma sociedade de cansaço (Byung-Chul Han), o trabalho de José Batista Marques, é uma possibilidade de espera (boa neste caso), em que o animal laborans hiperativo e hiperneurótico (ainda Han) através de um irónico dispositivo gerador de inquietações e confronto, mais do que uma mera apresentação de elementos, pode experimentar viajar em (desa)sossego pelas obras em exibição. 

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