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Durante o Verão de 1947, Yves Klein olhou para o céu e, contemplando a infinitude, usou-o como exemplo para pensar sobre as amplas possibilidades criativas da cor azul, declarando: “O azul do céu é a minha primeira obra de arte”. Mais tarde esclareceria: “o azul não tem dimensões; está para além destas, enquanto que nas outras cores não é assim. Todas as cores despertam ideias associativas específicas enquanto que o azul sugere no máximo o mar e o céu, e estes, afinal, são, dentro da natureza real e visível, o que é de mais abstrato. Em 1947, Klein começou a produzir peças pintadas de uma só cor, chegando às quase duzentas peças, tendo registado a autoria do pigmento que se popularizou mais tarde como o IKB International Klein Blue. Acreditando que a cor era energia pura, adoptou o monocromatismo porque entendia-o como um caminho para a total rejeição da representação na obra e, por isso, um modo de atingir um nível máximo de liberdade criativa. Portanto, aplicou o azul em esponjas coladas em tela, em performances no corpo de modelos ou em esculturas, destacando-se as conhecidas representações do globo terrestre ou da Vitória de Samotrácia.

Esta terceira exposição individual de Mónica Capucho na galeria Carlos Carvalho é composta por três núcleos distintos, agrupados por organizações formais similares entre si: de um lado as pinturas de vários formatos de outro as peças de parede e as peças de chão. Mais uma vez, a palavra cria um efeito de equilíbrio desafiando o papel que a mancha e a textura de cor adquirem na obra. A artista inscreve indicações, ora tautológicas, como por exemplo em “Interconnection of blue sequences”, ora confrontando o observador com uma suposta objectividade mostrando as frases: “Peculiar, Unfaked and Honest Blue” ou “Pure, Elegant and Sincere Blue” e quase dando ao azul uma dimensão afectiva, descrevendo o objecto criado e jogando com os significados e desenhos das palavras.

Aparentemente objetivos e não referenciais, os trabalhos exibem um amplo mostruário de texturas, brilhos, pinceladas e matizes subtis que encerram em si próprios uma linguagem visível apenas quando detectada numa análise mais profunda. Mónica Capucho motiva-nos a observar mais além da aparência colocando jogos de ocultação do material, usando por exemplo superfícies com resultado visual semelhante, misturando inclusive pigmentos para o efeito, mas que se diferenciam na essência e na percepção ao toque. O espaço de decisão da artista está nas composições de materiais, nas texturas, na sua articulação com o significado ou com o desenho da palavra que são equiparados a um pincel. A materialidade é interpretada e compreendida em todas as suas dimensões: a artista mistura betão, madeira, pedra ou silicone, controlando os seus efeitos e a forma como se apresentam ao observador pensando na temperatura, no brilho ou na textura, na atração ou frieza, na dureza ou na maciez da matéria.

Para Yves Klein, a adopção da cor única traz à obra um sentido de dissolução das diferenças dos materiais com vista à abstração total. No trabalho de Mónica Capucho, pelo contrário, a opção pela prevalência da cor única segue um caminho inverso convidando o observador a focar-se quase exclusivamente sobre as qualidades materiais do objecto. O cinzento e branco são cores auxiliares que agem para dar expressão ao azul porque tudo funciona em direcção à cor única. A escolha pelo quase monocromatismo permite ao observador ver o desenho formado pela composição dos materiais, texturas, consciencializando-o para o modo como estes afectam a nossa percepção da cor. As obras apresentam uma multiplicidade de variáveis em torno do azul seja este mate ou luminoso, com diferentes tons e intensidades analisando a sua força de amplificação para o espaço da galeria. A artista faz-nos, por isso, mergulhar no azul múltiplo, infinito e complexo e que se transforma com os diferentes materiais.

Mónica Capucho pensa também na obra enquanto objecto que funciona como parte estruturante de um todo, não descurando o seu valor singular. A pintura-instalação torna-se fisicamente activa: a artista explora propriedades da obra no espaço analisando peso, estabilidade e densidade. Os trabalhos, de configuração puramente geométrica, expandem-se na visualidade da galeria, ora isolando-se em algumas instalações, ora fazendo parte de um todo global. Sendo uma exposição site specific, é no espaço que as obras se apresentam, pelas relações criadas entre cada uma e numa instalação que se coloca em diálogo com as linhas arquitectónicas das duas salas. A exigência no observador da propriedade física do objecto, designadamente a escala e a presença, fá-lo assumir um papel crucial, a par da importância da obra e do espaço. A opção pelo quase monocromatismo também confere à exposição essa densidade imersiva. O uso da cor predominante desmaterializa a obra, criando maior permeabilidade na sua relação com espaço de exposição. O foco, por isso, está na totalidade - a cor autonomiza-se, sai da pintura e liberta-se no vazio.

Da mesma forma que Yves Klein inventou o pigmento IKB, tornando-se um químico em laboratório, a artista dirige o seu trabalho para a análise quase laboratorial da percepção da cor, dos materiais e das formas em articulação com o observador e com o espaço, convertendo esta exposição numa obra total com dimensão corpórea e sensitiva.

Apresentação da exposição

 

 

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